News Breaking
Live
wb_sunny

Breaking News

Número de homicídios cresce 90% no Ceará nos 22 primeiros dias de abril

Número de homicídios cresce 90% no Ceará nos 22 primeiros dias de abril

Jovem executado, a tiros, no bairro Jóquei Clube
O Estado do Ceará apresentou um aumento de 90% no número de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) - índice que engloba homicídios, feminicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte - nos 22 primeiros dias de abril, conforme dados mais atualizados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS). Foram 306 mortes violentas neste ano e 161 em igual período de 2019.

O mês completo de abril do ano passado teve 213 crimes, o que significa que já há, neste mês em 2020, um crescimento de pelo menos 43,6% no índice.

Este mês segue a tônica dos meses anteriores no estado. No acumulado do ano de 2020, entre 1º de janeiro e 22 de abril, já são 1.389 CVLIs. Em igual período de 2019, a SSPDS registrava 706, o que representa um crescimento de 96,7% - quase o dobro - no ano corrente.

Pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), o sociólogo César Barreira acredita que houve uma retração das facções no Ceará durante o ano de 2019, que foi marcado por duas séries de ataques criminosos contra o Estado e forte repressão policial, inclusive com o apoio de homens da Força Nacional de Segurança. "É como se as facções tivessem guardado forças para um novo retorno", analisa.

"Enquanto as questões objetivas não desaparecerem, como a desigualdade social e a política de combate às drogas, essas questões [de violência] vão ser como ondas. Em determinados momentos, desaparecem; e em outros, retornam. Nós não podemos achar que as questões estão sendo resolvidas com a prisão de líderes das facções, dos deslocamentos das lideranças para outros presídios. É como se não tivesse atacando a real causa desses homicídios", afirma o sociólogo.

A SSPDS não comentou o aumento de homicídios registrado em 2020 e não concedeu entrevista sobre o assunto. No dia 16 deste mês, a Secretaria informou ao G1 que foram registrados conflitos entre células de organizações criminosas no estado, durante o motim de militares ocorrido em fevereiro deste ano, o que refletiu nos períodos seguintes; e garantiu que as Forças de Segurança trabalham para reorganizarem suas atuações e traçarem novas estratégias

Uma das vítimas da violência no Ceará foi o surfista Luiz Felipe Brito da Costa, de 18 anos. O jovem, que não tinha passagens pela Polícia, foi assassinado a tiros na comunidade do Luxou, na Praia do Futuro, em Fortaleza, no último dia 23 de abril.

Anderson Alexandre Dantas da Silva, 19, Edilson Clemer Rebolças Silva, 26, e Roberto Silva Lopes Filho, 21, foram presos em flagrante, horas após o crime. Para a Polícia, eles disseram que tinham que cumprir a ordem da facção a qual pertencem para matar rivais e escolheram a vítima de forma aleatória, porque ele estava em uma região dominada pela organização criminosa inimiga.

Na última segunda-feira (27), uma juíza da Vara de Audiências de Custódia transformou as prisões em flagrante do trio em prisões preventivas.

As ordens dessa facção para matar rivais teriam sido disparadas no dia anterior, devido ao assassinato de um membro do grupo criminoso, identificado como Samuel Souza Salomão, 31, conforme apurou o G1 com uma fonte da Inteligência da Polícia Militar. O crime aconteceu no Bairro Messejana, também na capital.

Samuel tinha passagens pela Polícia por roubo e homicídio, com condenações na Justiça, e tinha progredido para o regime aberto no ano passado. Em um dos casos que respondia, ele e comparsas roubaram o veículo, a arma e outros pertences pessoais de um delegado da Polícia Civil, que chegou a ser agredido pelos assaltantes, em 2010.

Redes sociais
Os grupos criminosos têm trocado ameaças de morte nas redes sociais, no Ceará. Em pelo menos dois vídeos, criminosos ostentam armas de fogo e prometem ataques aos rivais.

Dois adolescentes de 17 anos, que apareceriam em um desses vídeos, foram apreendidos pela Polícia Militar, em Fortaleza, na última sexta-feira (24). Com eles, foram retidas duas armas que estariam nas imagens. Um dos jovens já tinha 17 passagens pela Polícia e o outro, seis.

A Secretaria da Segurança afirmou, em nota, que "investiga imagens divulgadas na internet com homens armados e com mensagens de apologia ao crime, no intuito de identificar e capturar os autores das gravações". E destacou ainda "que informações sobre investigações em andamento são reservadas aos setores de inteligência".

O sociólogo César Barreira analisa que a gravação de vídeos, com ameaças, por parte das facções "não é uma afronta somente ao Estado, é uma postura de definição de poder. Isso não é uma coisa nova, a gente sempre teve essa ostentação de armas e da visibilidade de homicídios, principalmente aqueles que têm a marca da crueldade".

Os dados apontam que:
  • o país teve 7.743 assassinatos nos primeiros dois meses de 2020
  • houve 548 mortes a mais na comparação com 2019, uma alta de 8%
  • 20 estados do país apresentaram alta de assassinatos no bimestre
  • sete deles, porém, registraram queda
O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Brasil teve alta no número de mortes violentas nos primeiros dois meses do ano — Foto: Fernana Garrafiel/G1
Interrupção na tendência de queda
Bruno Paes Manso, do NEV-USP, aponta que, desde que o Monitor da Violência identificou a queda de homicídios em 2018 e 2019, surgiu a dúvida se ela era uma tendência mais duradoura e ligada a transformações estruturais ou se era mais circunstancial, "relacionada aos interesses imediatos e estratégicos dos grupos criminosos".

"Desde o último trimestre de 2019, os sinais de um crescimento de homicídios já apareciam em alguns estados e acendiam o sinal amarelo. O crescimento em 20 das 27 unidades no primeiro bimestre deste ano, no entanto, foi pior do que qualquer um esperava", afirma.

Manso afirma que ainda é cedo para apontar os reais motivos por trás dessa alta, mas que é possível levantar perguntas.

"Estaria havendo algum tipo de tensão no mercado de drogas que antes não havia? Será que o aumento de armas em circulação pode estar promovendo seus efeitos agora? A autoridade dos novos governadores e do presidente, que assumiram em 2019, estaria perdendo capacidade de dissuasão?", questiona Bruno Paes Manso.

"Precisamos esperar mais tempo para responder. A pandemia tornou o contexto mais imprevisível. Mas os estados devem se preocupar desde já para a situação de violência não sair do controle", afirma.

Samira Bueno, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, também afirma que os números de janeiro e fevereiro são preocupantes.

"A maior parte das UFs apresentou crescimento dos homicídios no primeiro bimestre deste ano, indicando o desafio de desenvolver ações sustentáveis de redução da violência. Apesar dos bons resultados nos últimos dois anos, percebemos que a maior parte do país já volta aos patamares de violência verificados em 2018", diz.

"O crescimento ocorreu em pelo menos 20 UFs das cinco regiões do país, o que demonstra que o problema não é circunscrito a determinados territórios. Perdemos a oportunidade de transformar a breve redução da violência letal em tendência", afirma Samira Bueno.

Alta puxada pelo Nordeste
Em 2019, um levantamento do Monitor da Violência apontou que o Nordeste foi o responsável por puxar a queda nos primeiros dois meses do ano em todo o país.

Agora, porém, a situação se inverteu: a alta no primeiro bimestre deste ano foi capitaneada pelo Nordeste, região que, sozinha, teve um aumento de 22,7% no período em comparação com o ano passado. Foram 3.428 assassinatos em janeiro e fevereiro de 2020, contra 2.793 de 2019. No total, foram pelo menos 635 mortes a mais.

O Ceará foi o estado com a maior escalada de violência do Brasil. O número de vítimas mais que dobrou, passando de 356 para 717. O ano de 2020 teve, inclusive, o mês de fevereiro mais violento do estado desde pelo menos 2013, com mais de 450 mortes.
Durante os 13 dias da greve policial no Ceará, houve 312 homicídios, uma média de 26 por dia — Foto: José Leomar/SVM
A violência no estado disparou após um motim de parte da Polícia Militar. Durante os 13 dias da greve policial, houve 312 homicídios, uma média de 26 por dia. Antes, a média era de 8 por dia.

A paralisação dos policiais, que buscava principalmente uma melhoria salarial para a categoria, foi encerrada no dia 1º de março. Por conta do motim, tropas do Exército tiveram que atuar no estado.

Em um dos crimes ocorridos durante a paralisação, a dona de casa Maria de Paula Moura, de 26 anos, foi morta durante uma tentativa de assalto em Fortaleza, em 19 de fevereiro.

Mãe de dois atletas mirins, Maria de Paula voltava do treino de futebol do filho mais velho quando foi abordada e alvejada pelos criminosos. Ela chegou a ser socorrida, mas morreu no hospital.
Maria de Paula foi baleada durante tentativa de assalto em Fortaleza. — Foto: Arquivo pessoal
Em outro caso de violência, pai e filha foram assassinados dentro de casa em Beberibe, no litoral do Ceará, em 22 de fevereiro.

Criminosos invadiram a casa de Francisco Jorge Gomes Xavier, de 39 anos, acreditando que era a residência de uma homem com quem os assassinos haviam brigado horas antes. O grupo disparou vários tiros contra Francisco Jorge e atingiram também Jorgiane dos Santos, de 1 ano e 11 meses de idade.
Pai e filha foram assassinados durante motim de policiais no Ceará em fevereiro — Foto: Arquivo pessoal
Para Bruno Paes Manso, a alta do Nordeste é uma surpresa, já que os nove estados nordestinos vinham apresentando bons resultados faz dois anos.

"A situação do Ceará foi a mais grave, e os problemas ligados ao motim das polícias são hipóteses a serem consideradas [na alta do Nordeste], porque espalha entre os demais estados da região um contexto de desordem e de descontrole institucional", diz Bruno Paes Manso.

"No Ceará, restou a pergunta sobre o papel dos próprios amotinados no crescimento das taxas de homicídios, suspeita que já tinha ficado no ar em outros motins, como no Espírito Santo em 2017. Quando a autoridade dos governos se fragiliza, vemos movimentos de grupos criminosos buscando espaço. E isso gera conflitos e homicídios", afirma Manso.

A região Sul também teve aumento no número de assassinatos, mas bem mais baixo: de 3%. Já as regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste tiveram baixa.
O Nordeste puxou a alta de mortes no país no primeiro bimestre deste ano — Foto: Fernanda Garrafiel/G1
Na contramão da alta nacional, sete estados do país mantiveram suas tendências de queda nos primeiros dois meses de 2020. São eles: Roraima, Pará, Goiás, Rio Grande do Sul, Rondônia, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul.

Roraima, inclusive, teve a maior queda do Brasil: 47,5%. Foram 40 assassinatos no ano passado, contra 21 em janeiro e fevereiro deste ano.

O governador do estado, Antonio Denarium, credita os números a um trabalho conjunto do estado com as forças federais. Diz ainda que pretende dar continuidade a concursos públicos e equipar os policiais para que eles tenham melhores condições e o dados continuem em queda.

Queda recorde de mortes em 2019
A queda registrada no número de assassinatos no Brasil em 2019 bateu recorde e foi a maior se for levada em conta a série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O número de vítimas também foi o menor desde 2007, ano em que foi iniciada a coleta dos dados.

Os especialistas do Núcleo de Estudos da Violência da USP e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública elencaram alguns pontos para explicar os números, como uma nova configuração do mercado de drogas, um maior monitoramento e controle por parte dos estados dos chefes de facções presos, uma liderança dos governadores em um ano pós-eleitoral e uma política pública consistente de parte dos estados.

Em 2020, porém, fica a dúvida com o cenário apresentado no início do ano e com as incertezas geradas pela pandemia do novo coronavírus.

Como o levantamento é feito
A ferramenta criada pelo G1 permite o acompanhamento dos dados de vítimas de crimes violentos mês a mês no país. Estão contabilizadas as vítimas de homicídios dolosos (incluindo os feminicídios), latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Juntos, estes casos compõem os chamados crimes violentos letais e intencionais.

Jornalistas do G1 espalhados pelo país solicitam os dados, via assessoria de imprensa e via Lei de Acesso à Informação, seguindo o padrão metodológico utilizado pelo fórum no Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

O governo federal anunciou a criação de um sistema similar ainda na gestão de Sergio Moro, em março do ano passado. Os dados, no entanto, não estão atualizados como os da ferramenta do G1. O último mês disponível é setembro de 2019. Ou seja, o governo federal ainda não divulgou nenhum balanço de mortes de 2020.

Os dados coletados mês a mês pelo G1 não incluem as mortes em decorrência de intervenção policial. Isso porque há uma dificuldade maior em obter esses dados em tempo real e de forma sistemática com os governos estaduais. O balanço de 2019 foi realizado dentro do Monitor da Violência, separadamente, e foi publicado em 16 de abril.

Fonte: G1 Ceará

Tags

Inscrição no boletim informativo

Sed ut perspiciatis unde omnis iste natus error sit voluptatem accusantium doloremque.