Curandeiros no Cariri: relembre outros casos de busca por milagres além do menino de Cruz
Legenda: População busca rezadores em busca de cura para enfermidades em movimentos observados nas últimas décadas - Foto: Antônio Vicelmo |
Personalidades despertam o interesse e a fé de quem sofre com enfermidades nos últimos anos no Estado.
Centenas de pessoas vão à cidade de Cruz, no Norte do Ceará, desde agosto devido a dois supostos milagres associados a um menino de 7 anos. A criança tida como curandeira, no entanto, não é o único exemplo de personalidade que desperta o interesse e a fé de quem sofre com enfermidades.
A situação do menino é acompanhada pela Diocese de Sobral, já que o menino frequentava a catequese de iniciação à vida cristã. Desde março deste ano, filas de pessoas em busca de milagres começaram a se formar na casa da criança, quando a notícia de que ele estaria "curando" doentes se espalhou pela região.
Para o padre Abimael Nascimento, professor de Teologia na Faculdade Católica de Fortaleza (FCF), fenômenos religiosos de supostas curas e milagres atraem muitas pessoas porque elas “procuram soluções rápidas e imediatas para o sofrimento que vivem”. Por isso, a Igreja não ignora esse movimento, mas o avalia “com muita prudência”.
“É preciso verificar as raízes, como se passa, e para isso estabelece comissões com peritos especialistas para, caso necessário e entenda ser viável, estudar e fazer o reconhecimento. É um processo longo, mas é importante cuidar das pessoas, sobretudo para não caírem em situações com que venham a se decepcionar gravemente”, explica.
Conheça algumas histórias de pessoas procuradas pela população para encontrar alívio de doenças com base em reportagens analisadas pelo Núcleo de Pesquisa do Diário do Nordeste.
Em dezembro de 1998, Maria do Socorro Carvalho, de 20 anos, também atendia pacientes em casa, em Juazeiro do Norte. Eles a apelidaram de “Corrinha”.
“Vestida de branco, com um crucifixo no pescoço, ela pega na mão do paciente, olha para o relógio, manda que a pessoa respire, enquanto anota num papel timbrado com o seu nome as doenças do paciente examinado”, descreve a reportagem.
Ela tinha auxílio da mãe, Maria das Graças, num “expediente” que durava das 8h ao fim da tarde. As consultas terminavam com uma reza, ou a indicação de alguns remédios, geralmente naturais.
Legenda: Em dezembro de 1998, Maria do Socorro Carvalho, de 20 anos, também atendia pacientes em casa, em Juazeiro do Norte. Eles a apelidaram de “Corrinha” - Foto: Arquivo DN |
Para realizar o trabalho, Corrinha cobrava R$10. Porém, quem não podia pagar também ganhava isenção. “A minha missão é fazer caridade”, declarou à época. Além de cidades do Cariri, ela também atendia gente de Pernambuco.
Segundo a mãe, Corrinha recebeu uma aparição de Nossa Senhora, aos 12 anos, revelando que ela passaria seis anos de sofrimento - profecia cumprida em hospitais diante de uma doença não compreendida pelos médicos.
Aos 18, Nossa Senhora teria reaparecido e orientado a garota a rezar três rosários por dia, vestir roupa branca ou azul e fazer caridade. Pouco depois, começaram a surgir os primeiros pacientes.
Já em 2010, as páginas contavam a história do agricultor Antônio Aristides dos Santos, mais conhecido como “Antônio Rezador”, que montou um “consultório” no Sítio Tabocas, na cidade de Milagres, onde atendia a cerca de 100 pessoas por dia, a partir das 6h da manhã.
As orações eram realizadas dentro de uma capela cheia de imagens de santos, com o piso coberto por um tapete. Os pacientes só podiam entrar descalços. O rezador cumpria o mesmo protocolo: uma camisa branca, um terço na mão e meias nos pés.
No ritual, Antônio tocava o terço num copo com água que, em seguida, era passado nos pés de Jesus Crucificado e na imagem de Nossa Senhora das Graças. Depois, ele rezava passando o terço em todo o corpo do paciente. Por fim, dava um pouco da água para a pessoa beber.
Legenda: Rezadores se tornaram populares em todo o Estado - Foto: Elizângela Santos |
“É Deus quem tem o poder da cura, eu sou apenas um instrumento”, disse Antônio.
O rezador, católico praticante, garantia que já curou gente até pelo telefone. Recebendo aposentadoria, o único pagamento que Antônio recebia eram santos e terços que depois eram repassados para outros pacientes.
João Teodoro da Silva, conhecido como João Rezador, guarda uma das histórias mais incomuns em relação à cura pela fé. Isso porque o homem exercia as práticas das rezas mesmo durante a pena de 21 anos por um crime de homicídio.
O curandeiro vivia numa pequena casa de taipa ao lado do Instituto Penal Agrícola de Santana do Cariri. “João é uma espécie de curandeiro. O povo da redondeza acredita que suas rezas curam toda doença”, detalhou a reportagem publicada em agosto de 1987.
A rotina do presidiário também era curiosa devido a companhia conhecida do seu cachorro Sorturno, por colher mel e caçar mesmo durante o período em reclusão.
Legenda: João Rezador era conhecido por curar doenças mesmo tendo sido condenado por crime de homicídio - Foto: Arquivo DN |
João Rezador era tido como o curandeiro com maior credibilidade entre a comunidade no pé da serra. Naquele ano, o homem vivenciava a expectativa de liberdade com o final da pena.
"Não vejo a hora de voltar para o sertão do Meu Quixadá, onde nasci e vivi minha infância e adolescência", declarou na época. Um primo de João ofereceu uma casa para que o rezador pudesse ficar até o final da vida.
REZA CONTRA MAU-OLHADO
Em Juazeiro do Norte, a religiosidade é compartilhada com mais intensidade na população no que vários rezadores despontam. Na Rua do Horto, que dá acesso à estátua do Padre Cícero, um dos mais conhecidos era Luís José dos Santos.
Luís costumava andar pelas imediações da Capela do Socorro e na época das romarias ou na missa tradicional do dia 20 de cada mês, em homenagem ao Padre Cícero, ele ocupava o nicho para rezar nas pessoas.
Os principais pedidos de fé eram por cura de “quebrante” ou “mau-olhado” que afetava as crianças com fastio, entristecidas, acometidas de diarréias, por exemplo. O rezador, aos 84 anos, disse que não cobrava dinheiro para atender as pessoas.
“Não se pode vender a palavra de Deus", frisou Luís José ao Diário do Nordeste em 2004. Contudo, o homem disse que não rejeitava as gorjetas oferecidas pela população.
O rezador nasceu em Belo Jardim, em Pernambuco, mas chegou em Juazeiro do Norte por volta da década de 1940 atraído pela fé. Luís foi participar de uma romaria e jamais retornou para a cidade natal.
A Igreja Católica reconhece que algumas pessoas alcançam uma intimidade e comunhão com Deus num nível em que podem intermediar ações divinas. Mas isso acontece, principalmente, após a morte das personalidades que ganham títulos de servos, beatos e santos.
“A Igreja reconhece a santidade quando reconhece que esses batizados morreram em estado de graça e hoje vivem em comunhão com Deus, a ponto de poderem, de maneira mais próxima, recorrerem a Deus por aqueles que estão sofrendo na Terra”, reforça.
Sempre diante desses sinais, a Igreja estabelece comissões de estudo para verificar se há contradição com o que a Igreja ensina. Se há contradição, a Igreja olha com suspeita. Se há concórdia, a Igreja acolhe com muita generosidade e propõe uma difusão desta devoção.
Existem critérios rígidos para avaliar, por exemplo, se um caso pode ser considerado um milagre oficialmente para o catolicismo. Esses pontos foram relembrados pela Diocese de Sobral em comunicado sobre o caso do menino de cruz.
A análise é baseada em 7 tópicos do documento "De servorum beatificatione et beatorum canonizatione", do livro IV, capítulo VII, 2-1734), do Papa Bento XVI. Confira:
Escrito por Nícolas Paulino e Lucas Falconery/Diário do Nordeste