Acidentes de trânsito caem até 81% no interior durante a pandemia
Os pacientes com maior gravidade decorrem de acidentes envolvendo motocicletas. Muitos não utilizam capacetes ou pilotam alcoolizados - Foto: Halisson Ferreira |
Historicamente, esta é uma das principais causas da grande taxa de ocupação
nos hospitais. Com a expressiva redução, as unidades de saúde ficaram
oxigenadas e com mais recursos para atender pacientes graves da
Covid-19
As medidas de isolamento social para conter o avanço da Covid-19 diminuíram
substancialmente o fluxo de veículos nas cidades do interior e, por
consequência, houve redução no número de acidentes de trânsito em até 81%. A
queda impacta positivamente nas unidades de saúde que, historicamente, são
ocupadas, em sua maioria, por pacientes com traumas decorrentes dos
acidentes. Com o decréscimo das ocorrências mais leitos ficam à disposição
de pacientes graves com a Covid-19.
Leitos estes que, neste momento da pandemia, são essenciais para salvar a
vida dos infectados pelo novo coronavírus. Em Sobral, a média de acidentes
diários é de quatro ocorrências. Durante a pandemia, este índice caiu para
menos de um a cada 24 horas, segundo a Coordenadoria Municipal de Trânsito,
queda superior a 75%. O Município é hoje o segundo colocado no número de
casos da Covi-19 no Estado (2.497), ficando atrás apenas para a Capital. Os
leitos já se aproximam da capacidade máxima. Daí, a importância da redução
de ocupação com outros pacientes.
Já em Itapipoca, que também apresenta curva crescente nos casos (1.054) do
coronavírus e redução das vagas dos leitos, o número de acidentes minguou em
até 70% no mês de abril. Cenário semelhante em Iguatu, que em abril passado
teve dois acidentes, enquanto em 2019, em igual período, foram 11, o que
representa decréscimo de mais de 81%. Os dados de maio de ambas as cidades
ainda não foram consolidados.
No Cariri, o mesmo cenário é demonstrado na rede hospitalar da Região. No
Hospital São Raimundo, em Crato, antes da pandemia, estipulava ocupação de
80% dos seus leitos por acidentes de trânsito. "Após o primeiro decreto de
isolamento, deu uma diminuída grande. Nas primeiras semanas, 70%, eu diria.
Na medida que foi passado, ficou entre 50 a 55%. Mas ainda é uma redução
drástica", define o médico Marcel Pita.
Com atendimento 24 horas em serviços de traumatologia e ortopedia, o
equipamento é referência para 13 municípios do Cariri: Crato, Farias Brito,
Nova Olinda, Várzea Alegre, Salitre, Tarrafas, Araripe, Potengi, Assaré,
Campos Sales, Altaneira, Santana do Cariri e Antonina do Norte. "Cerca de
70% são acidentes de moto", estima Pita. "São cidades onde não tem
fiscalização de trânsito. Muitos bebem muito e pegam estrada carroçavel",
completa.
Em Barbalha, o Hospital Santo Antônio, que é referência em neurologia para
45 municípios do Cariri e do Centro-Sul, em uma população de aproximadamente
1,5 milhão de pessoas, até o dia 19 de março, a média de internamentos era
de 19 pacientes por dia. De lá para cá, a média caiu para 9,41. Se contar
nos quatro primeiros meses de 2020 em relação a igual período do ano
passado, o número de atendimento caiu em 36,46%. "Diminuiu bastante",
ressalta o médico e diretor da unidade, Guilherme Saraiva.
Segundo Guilherme, a maioria dos casos são acidentes de motos, muitos sem
capacete e até alcoolizados. Apesar do alto número antes da pandemia, a rede
hospitalar não sofre com o esgotamento de vagas por traumas, porque este
tipo de atendimento foi dividido com o Hospital Regional do Cariri (HRC), em
Juazeiro do Norte, inaugurado em 2011. "Por enquanto, dá para aguentar a
demanda", completa.
Essa queda também é evidenciada nas rodovias estaduais. Em maio, o número
caiu 70% em comparação a igual período de 2019, que teve 219 registros. A
quantidade de feridos apresentou queda de 62%, de 108 em maio de 2019 para
41 neste ano. Os dados são do Batalhão de Polícia de Trânsito Urbano e
Rodoviário Estadual (BPRE) da Polícia Militar do Ceará (PMCE).
Já os atendimentos por trauma pelo Serviço Ambulatorial Móvel de Urgência
(Samu) diminuíram de 4.921 para 4.121, somando os meses março e abril, em
comparação entre 2019 e 2020, respectivamente, que representa uma queda de
16,2%.
Análise
Ao mesmo tempo em que a redução desafoga o sistema de saúde, deixando-o
mais robusto para o enfrentamento da Covid-19, o número externa outros
fatores, como a fragilidade na fiscalização do trânsito e o alto custo que
esses acidentes geram ao Estado.
O custo médio de uma internação por trauma cranioencefálico é de R$ 578,77.
Em casos leves, de até dois dias, fica em torno de R$ 287,73, já os casos
moderados, de até sete dias, chega a R$ 421,27. Em casos mais graves, de até
14 dias internado, o custo chega a R$ 1.027,33, segundo dados do Hospital
Santo Antônio.
Esta estimativa não inclui os valores das cirurgias e o serviço de
atendimento móvel. "Os custos socioeconômicos dos acidentes de trânsito são
elevadíssimos e poderia ser minimizado com a implantação de ações de
engenharia, fiscalização e educação que focassem na segurança dos usuários
mais vulneráveis (pedestre, ciclista e motociclista)", acredita o professor
da Universidade Federal do Cariri (UFCA), Marcos Timbó, doutor em Engenharia
de Transportes.
Ele analisa que a redução durante a pandemia deve servir de exemplo para o
futuro. "Muitas vezes esses acidentados ocupam uma boa parte dos leitos
hospitalares. Isso confirma que esta problemática deve ser tratada pelos
prefeitos como uma questão de saúde pública", enfatiza o professor Marcos
Timbó.
Escrito por Antonio Rodrigues/Diário do Nordeste