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301 escolas e 172 unidades de saúde: como as possíveis perdas de áreas do CE para PI afetam a população

301 escolas e 172 unidades de saúde: como as possíveis perdas de áreas do CE para PI afetam a população

Legenda: Estudo do Ipece descreve que, há 300 anos, o Piauí tenta anexar à Serra da Ibiapaba ao seu território. - Foto: Cid Barbosa

Impasse judicial que deve afetar mais de 200 mil cearenses deve ser resolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF)

Caso o Piauí vença uma disputa judicial contra o Ceará e ganhe parte do território de 13 municípios na Serra da Ibiapaba, a lista de perdas pode incluir 301 escolas, 172 unidades de saúde e três delegacias, além de outros equipamentos públicos. São estruturas criadas e financiadas pela gestão pública do Ceará, que, na hipótese de perda, passarão para o domínio piauiense. 

Esse é um dos possíveis efeitos do conflito que se arrasta há 10 anos. Qual o impacto e a dimensão dessa possível retirada de equipamentos das cidades do Ceará?

A disputa entre os dois territórios é centenária, mas em 2011 ganhou contornos judiciais, quando o Piauí recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para decidir sobre o impasse. 

A projeção das perdas cearenses consta num estudo feito pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), a pedido do Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais do Ceará da Assembleia Legislativa. O documento foi publicado em 2021. 

Segundo o levantamento, o Ceará passaria ao Piauí:

  • 290 escolas regulares
  • 172 unidades de saúde
  • 117 áreas de mineração
  • 24 centros de convivência, Creas e Cras
  • 6 Centros de Educação Infantil
  • 3 delegacias
  • 3 escolas profissionalizantes
  • 2 escolas indígenas

A análise do Ipece diz ainda que a perícia realizada pelo Exército Brasileiro, em 2016,  “é puramente cartográfica, analisando somente os fatores físicos não contemplando a dimensão social, cultural e de identidade que as populações tecem no território”. 

Para o professor Francisco José Tabosa, do Programa de Pós-Graduação em Economia Rural da Universidade Federal do Ceará (Ppger/UFC) e pesquisador da avaliação de políticas públicas, o litígio na divisa pode gerar uma série de problemas para a população cearense que não pode ser resolvida a curto prazo.

Em termos de educação e saúde, ele aponta incertezas sobre o futuro do funcionamento de escolas e postos de saúde que foram construídos e têm orçamento previsto dentro do Ceará, mas sem as mesmas garantias se passarem ao Piauí.

“Elas vão ser administradas por novas secretarias que não se sabe, em termos gerais, como estão de recursos e de servidores. Aqueles concursados do Ceará não vão mais poder servir naquela unidade, que precisará de outros para atender à demanda. Se o Piauí não tiver profissional para ser remanejado, tem que fazer concurso, e isso leva um tempo”, ilustra.

Além disso, o professor elenca desafios na oferta de empregos; na migração dos registros de energia elétrica, água e saneamento para outras administrações; e na interrupção dos programas de fomento à agricultura promovidos pelo Estado do Ceará.

Legenda: Toda a cidade de Guaraciaba do Norte, incluindo a delegacia municipal, podem passar para o Estado vizinho - Foto: Google Earth

ESTUDO HISTÓRICO

A perícia do Exército foi realizada a pedido do STF. No relatório preliminar apresentado pelo Exército sobre a disputa, os resultados foram favoráveis ao Piauí. 

Desde 2019, o STF autorizou a realização de uma pesquisa mais aprofundada, com custos arcados pelo Piauí. Apenas após a apresentação dessa perícia, é que o STF deverá se manifestar sobre a titularidade das terras. 

Conforme divulgado pelo Diário do Nordeste, em novembro, o Exército Brasileiro prevê iniciar em 2022 os trabalhos técnicos para definir a quem pertence a área em litígio. 

O estudo do Ipece aponta que há uma diferença entre a quantidade de equipamentos públicos no Ceará considerando a área territorial do litígio e aquela determinada pelo Exército. Pela área do litígio, seriam 46 escolas e quatro unidades de saúde. 

Legenda: Escola profissionalizante em São Benedito seria uma das três transferidas para a gestão do Piauí. - Foto: EEEP Isaías Gonçalves Damasceno

PERDAS NA PRÁTICA

Nos municípios, os moradores repercutem as perdas. Um deles é o historiador João Bosco Gaspar, residente de Tianguá. 

É uma revolta muito grande. Nós sabemos que apesar de estarmos ligados culturalmente e historicamente é uma diferença muito grande, sobretudo, na questão de gestão. O Piauí tem riquezas naturais dez vezes maior que o Ceará, mas a gestão pública é complicada. Nós estamos bem à frente em estradas, escolas.  

JOÃO BOSCO GASPAR

Historiador

Para ele, "existe uma distância gritante” em relação aos equipamentos instalados e aos serviços ofertados nos municípios dos dois estados. 

"Em Tianguá, Pindoguaba é uma vila pequena, mas tem cartório desde 1960. E no entanto, temos duas cidades do Piauí na fronteira que é São João da Fronteira e Cocal dos Alves, nenhuma delas tem cartório, por exemplo", indica.

Legenda: Brinquedopraça inaugurada pelo Governo do Ceará em 2017, em Ibiapina, também seria gerida pelo Piauí. - Foto: Tiago Stille/Governo do Ceará

O dilema também é vivenciado na zona rural de Ipueiras, onde o microempresário Adriano Castro possui uma loja de construção. Para ele, ainda que a discussão não chegue com mais força à população, passar para o Piauí seria “um desastre”.

“Aqui, ficamos a 8 km da sede de Ipueiras. Já para o Piauí, até o acesso é complicado porque só tem estrada carroçal. Aqui, nós utilizamos totalmente os serviços que são oferecidos pelo Ceará”, garante.  

O estudante Antonio Lourenço, morador de Guaraciaba do Norte - município que pode passar inteiro para o Piauí -, também ressalta a importância do Ceará para o cotidiano da cidade. “Todos dependem do Ceará em tudo, até mesmo pra fazer cirurgias delicadas em Fortaleza, Sobral ou Tianguá”, explica.

Para ele, o ideal seria que a população fosse consultada sobre a “briga” territorial. “Não é só o Piauí chegar e falar: ‘essa terra é minha, essa cidade é minha’. A maior parte não quer essa divisão”, afirma.

O professor Francisco José Tabosa observa que o Ceará, hoje, é um Estado sustentável em termos econômicos, o que o permite avançar nos investimentos em vários setores. “A população que vive nessas áreas não vai mais ser beneficiada. Nesse litígio, está se considerando só o aspecto geográfico, mas poucos estão pensando na população”, diz.

CULTURA E PERTENCIMENTO

Em nota, a Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE) aponta que “a conclusão de possível perda é apressada, pois o que se tem é um processo complexo que ainda está em discussão e é subsidiado por estudos e elementos que reforçam o direito do Estado”. 

O órgão ressalta que o estudo do Ipece confirma os argumentos do Estado do Ceará no tocante a “outros fatores essenciais que devem ser considerados, notadamente os investimentos públicos realizados pelo Estado na região”. 

“O direito do Estado do Ceará está adequadamente delineado no processo judicial junto ao Supremo Tribunal Federal(STF), no qual também foi ressaltada a cultura e o sentimento de pertencimento da população”, conclui a PGE.

Escrito por Thatiany Nascimento e Nícolas Paulino/Diário do Nordeste

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