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Excessos no show de João Gomes são naturais após o período de maior confinamento? Ciência explica

Excessos no show de João Gomes são naturais após o período de maior confinamento? Ciência explica

Legenda: Conforme historiadores, existe a noção de que as pessoas celebraram o fim de outras pestes mundiais com alegria histérica e comportamento sexual excessivo - Foto: Davi Pinheiro

Segundo psicólogo, isolamento pode ter promovido mudanças positivas de mentalidade em uns, enquanto em outros incentivou uma série de comportamentos sombrios

Violência, embriaguez, sugestão de sexo em público, queimaduras, nudez. A lista de situações extremadas ocorridas no show dos cantores João Gomes e Tarcísio do Acordeon, em Mossoró (RN), é longa e tem movimentado opiniões nas redes sociais. O evento ocorreu no último dia 13 de novembro, mas apenas ontem (25) imagens e vídeos da festa foram compartilhados, atestando os absurdos do caso.

O episódio acontece no exato instante em que, gradativamente, as atividades culturais no Brasil estão sendo liberadas para maior público. Os excessos seriam, então, uma reação natural diante de quase dois anos de rígido confinamento? É possível explicar o porquê de tantas ocorrências inusitadas em um show aparentemente convencional?

Se olharmos para a História, perceberemos que houve consideráveis mudanças no comportamento da sociedade após outras catástrofes globais – a exemplo dos períodos de guerra. A opinião é sustentada por Lia Sanders, pesquisadora, médica psiquiatra e professora da Universidade Federal do Ceará e do Centro Universitário Christus. 

Segundo ela, uma das consequências no passado do retorno à “vida normal” foi um efeito positivo na vida sexual. Depois da Segunda Guerra Mundial, ocorreu uma sucessão de nascimentos que deu origem aos chamados baby boomers.

“Durante o confinamento, quem não morava com o companheiro viveu um momento de isolamento e diminuição da vida sexual, enquanto os casais passaram a ter maior intensidade e qualidade de sexo na relação. São momentos diversos”, observa.

Por outro lado, de acordo com Lia, conforme a pandemia se prolongou, a realidade descrita se inverteu: os solteiros passaram a ter maior flexibilidade e a vida sexual dos casais piorou. “Como as pessoas irão se comportar hoje, nós ainda não sabemos. De uma certa forma, o registro e o compartilhamento das informações que vivemos atualmente amplifica os acontecimentos, como esses no show de João Gomes”.

CELEBRAR O FIM DA PESTE

A pesquisadora explica que, conforme alguns historiadores sugerem, existe a noção de que as pessoas celebraram o fim de outras pestes, como a Peste Negra, com alegria histérica e comportamento sexual excessivo. Já relatos mais recentes, referentes aos anos 1920, apontaram que, após a Gripe Espanhola, havia nações exaustas depois da pandemia, como se não existisse energia suficiente para manter alguma euforia.

Legenda: Para médica, descontroles e excessos custam grande energia, logo ela acredita que sejam fugazes; a tendência natural é caminharmos para o equilíbrio - Foto: Shutterstock

Quimicamente falando, o que acontece com o cérebro quando passamos muito tempo privados de alguma atividade e, de repente, somos expostos ao que outrora éramos habituados? Lia Sanders cita o fenômeno da habituação no sistema nervoso central. Em linguagem técnica, “é um desvanecimento da resposta neuronal diante de uma estimulação monótona. Assim, pode ocorrer a redução da liberação de neurotransmissores na sinapse ou o aumento do limiar de disparo do neurônio”, detalha.

Trocando em miúdos, não haveria um neurotransmissor específico atuante nessa situação. O que acontece é uma espécie de inibição da resposta desses circuitos que são muito estimulados. Desta feita, a apresentação de um outro estímulo forte pode recuperar a resposta habituada. Seria uma sensibilização. 

“Quando somos privados de alguma coisa a que somos habituados, ocorre um desconforto inicial. Estamos acostumados a um nível de estimulação e sentimos a falta desse estímulo. Se a ausência se prolonga, o organismo caminha para uma normalização, com redistribuição de receptores e nova acomodação da necessidade de estímulos. É um novo equilíbrio. Em uma reexposição, a sensibilidade original pode já ter sido restaurada. Seria uma espécie de ‘novo normal’, do ponto de vista bioquímico”.

LIA SANDERS

Pesquisa, médica psiquiatra e professora universitária

Para a médica, descontroles e excessos custam grande energia, logo ela acredita que sejam fugazes. A tendência natural é caminharmos para o equilíbrio. “O pós-pandemia traz muitos desafios: empobrecimento das famílias, desemprego, inflação. O sexo funciona como uma válvula de escape, mas há um limite para esse grau de compensação”, considera.

O QUE A PSICOLOGIA DIZ?

À luz da Psicologia, os acontecimentos no show de João Gomes podem ser encarados como uma reação um tanto natural – considerando a dinâmica de confinamento social que presenciamos, em diferentes graus de abertura e fechamento econômico. O professor e psicólogo clínico Hugo Moraes cita dois grandes nomes no segmento para elucidar a questão.

“Freud e Jung nos contam sobre o instinto do desejo, Eros, raiz da palavra erótico. Esse princípio psicológico é um fator primordial para a manutenção da espécie e, logo, da vida. No entanto, a dinâmica na qual um fenômeno natural opera (um instinto) depende da resposta e da estrutura que aquela sociedade, comunidade ou indivíduo conseguiu construir em sua história de vida”, diz.

Conforme apontam estudos, a psique, assim como o nosso corpo, também preza e busca uma harmonia, a chamada homeostase. Logo, é possível perceber que o comportamento de isolamento social representa a repressão da necessidade da manutenção da vida por meio do contato direto com os pares. Em suma, para todo 8 existe o 80.

“O confinamento pode ter promovido em uns uma mudança de mentalidade positiva ou prospectiva, uma nova reflexão de vida, enquanto para outros pode ter incentivado uma série de comportamentos sombrios ou uma volta a um passado remoto, já que o número de respostas ao problema (liberdade) pode não ter sido encontrado”, analisa Hugo.

Estudos atuais qualitativos e quantitativos, inclusive, apontam para esses dois movimentos: de um lado, os sintomas – sobretudo os de natureza sexual – aumentaram, enquanto pesquisas apontam para o aumento da responsabilidade afetiva, do reforço do vínculo em um relacionamento presente, e até mesmo da preocupação com o estabelecimento de novos relacionamentos.

O que parece haver de comum entre essas duas perspectivas aparentemente contraditórias é o fato de que a sexualidade como um todo se tornou aparentemente mais nua e até mesmo mais crua, de acordo com o psicólogo. “Seja lá de qual modalidade for, online ou presencial, as portas para o novo e as novas configurações de amor estão abertas”.

CORPOS ENJAULADOS E CORPOS SOLTOS

Toda essa dinâmica comportamental alude à imagem da situação de animais enjaulados. Quando soltos depois de tanto tempo, perdem a noção do equilíbrio e do que priorizar como atividade. Para Hugo Moraes, os seres humanos possuem corpo e alma, e essas duas partes se comunicam e se equilibram por meio da reflexão de seu oposto. 

“O corpo inflamado, em chamas, clama pela atenção do toque e pelo alívio das tensões. Essa ideia do animal enjaulado passa a noção de um corpo que não soube se tocar por algo além da materialidade. Permaneceu muito no concreto e se tornou rígido e dependente de fatores literais, como o desejo carnal e o sexo em si”, descreve, ao refletir sobre os atos presenciados no show de João Gomes.

Legenda: O cantor João Gomes: show realizado em Mossoró (RN) está rendendo discussões pelo extremismo dos acontecimentos - Foto: Reprodução/Instagram

Por isso mesmo, nesse retorno gradual das atividades presenciais com maior público, o equilíbrio, conforme já havia enfatizado Lia Sanders, é fundamental. A volta para a praça pública, um símbolo da reunião de todos em um só espaço, remete a relações de trocas estabelecidas e mantidas por um respeito mútuo. Isso alude a uma busca civilizada e a uma condição civil. 

O peso de ser civilizado, portanto, é o de aguentar o mal-estar criado pela repreensão dos instintos. “Isso nos fala sobre aguentar a chamada sofrência em sua totalidade, em carregar esse peso nos ombros de corpo e alma”, sublinha o psicólogo e professor.

“O equilíbrio é sempre um encontro entre duas posições. Para a sociedade não deixar que as rédeas dos cavalos da sexualidade, da agressividade e da embriaguez escapem e se desenfreiem, é importante saber agir de forma refletida, com um sentido e uma orientação sobre os caminhos tortuosos que passamos, assim como pelas planícies e água doce que com certeza podemos alcançar”.

HUGO MORAES

Psicólogo clínico e professor

Escrito por Diego Barbosa/Diário do Nordeste

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