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'As crianças pedem e não tenho para dar': vulnerabilidade social aumenta em Juazeiro do Norte

'As crianças pedem e não tenho para dar': vulnerabilidade social aumenta em Juazeiro do Norte

Legenda: Damiana vive em Juazeiro do Norte com a duas filhas, de nove e dez anos, e tem como única renda os R$ 171 do programa Bolsa Família - Foto: TV Verdes Mares/Reprodução

Durante a pandemia, o município registrou crescimento em busca por benefícios como o programa Bolsa Família e requisições de cestas básicas

Com duas filhas, de nove e dez anos, a única fonte de renda da família da dona de casa Damiana Alves Duarte, de 33 anos, vem do programa Bolsa Família. Moradora de Juazeiro do Norte, ela recebe R$ 171, que utiliza para pagar as contas de água e energia elétrica. O que sobra, compra alguns alimentos, mas a quantidade tem sido insuficiente. Com apoio de vizinhos, que doam mantimentos, consegue sobreviver.  

Antes da pandemia da Covid-19, ela conseguia arrumar alguns trabalhos como diarista. “Agora não. O pessoal não quer nem abrir a porta com receio”, conta. Sem conseguir trabalho, desabafa: “Vou dormir tarde, pensando, preocupada. Penso até em ir embora. As crianças pedem as coisas e não tenho para dar”.  

Assim como na casa de Damiana, o impacto da chegada do coronavírus escancarou os diferentes efeitos da desigualdade social em todo o país. Na terra do Padre Cícero não foi diferente.

De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Social e Trabalho do Município (Sedest) houve um aumento, em 2021, de famílias em situação de vulnerabilidade que buscaram benefícios, como o programa Bolsa Família, e requisições de cestas básicas.   

 Até dezembro de 2020, 21.966 famílias eram beneficiárias do Programa Bolsa Família, em Juazeiro do Norte. Atualmente, este número subiu para 23.477, um crescimento de 6,87% nos seis primeiros meses do ano. Com isso, a estimativa é de que 26% da população juazeirense, que gira em torno de 274 mil pessoas, receba este auxílio.   

Legenda: Com a pandemia, Damiana não consegue mais trabalhos como diarista - Foto: TV Verdes Martes/Reprodução

CESTAS BÁSICAS

Outro dado sintomático deste problema agravante é o número de requisições de cestas básicas. De janeiro a julho de 2021, o Município recebeu cerca de 6 mil solicitações, que representa o triplo em relação ao ano passado (2 mil).   

A diretora de Proteção Social Básica da Sedest, Isabella Ângelo, explica que a identificação destas pessoas em situação de vulnerabilidade é feita pelos técnicos, em maioria são assistentes sociais, que encaminham o pedido à pasta. “Infelizmente não dá para atender todo mundo que busca. A gente vai atender quem não tem nenhuma renda e precisa fazer uma filtragem”, conta.   

O aumento, na sua avaliação, tem relação direta com a pandemia, que causou a queda na renda da população. “Isso vai ter outros agravos, como um aumento na solicitação de outros benefícios, como auxílio funeral e o auxílio natalício”, cita. Isabella.

Os pedidos podem ser feitos nos equipamentos ligados à Sedest, como o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), as dez unidades do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) espalhadas na cidade, e no Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop).   

A gente precisa enfatizar que para ter acesso é preciso ter critérios. Não é todo mundo que tem direito, infelizmente. Entre os critérios estão a condição de vulnerabilidade, como falta de renda. A gente procura priorizar um público que não recebe benefícios ou que não tem uma pessoa aposentada na família”

ISABELLA ÂNGELO

Diretora de Proteção Social Básica da Sedest

Legenda: Outro dado sintomático deste problema agravante é o número de requisições de cestas básicas - Foto: Divulgação/Arquivo

PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA 

Outro indício do impacto da pandemia vem do Centro Pop, equipamento que oferta alimentação, local para higiene, acesso às políticas públicas, oficias, palestras, atendimento social, psicológico, educacional e jurídico e a viabilização de contatos telefônicos para pessoas em situação de rua.  Até janeiro deste ano, o espaço atendia cerca de 80 pessoas por mês. Hoje, este número quase dobrou, alcançando 150 pessoas. 

O diretor do equipamento, Fernando Medeiros, acredita que a pandemia provocou esse aumento significativo não só na sua cidade, mas em todo o Ceará. No entanto, acredita que a ampliação dos serviços, como a oferta de alimentação, incentivou a procura. “Antes, era apenas o café da manhã. Hoje, temos o almoço o lanche. Isso fez com que as pessoas em situação de rua nos procurassem, porque sabem que tem um suporte maior”, completa.   

Legenda: Outro indício do impacto da pandemia foi o aumento de atendimentos a pessoas em situação de rua - Foto: Antonio Rodrigues

“SITUAÇÕES DE CRISE ESCANCARAM OS NOSSOS PROBLEMAS”  

O sociólogo Benjamim Lucas ressalta que, antes mesmo da chegada da pandemia, a sociedade já convivia com diversas vulnerabilidades sociais, como a violência, a fome, dificuldades de saneamento básico, problemas na qualidade de habitação e renda. Com a chegada da crise sanitária causada pela Covid-19, as condições se agravam.

“É evidente que pessoas com menor grau de recursos, acesso a direitos básicos, sentem mais o impacto. A pandemia escancara isso. A fome voltou a bater a porta de milhares de pessoas”, exemplifica.

A geração de renda, que em parte da população é precária e muito ligada ao trabalho do dia a dia, como vendedores ambulantes, ou aqueles que prestam serviços de forma pontual, sem uma estruturação financeira, foi bruscamente afetada, aponta o sociólogo, pela necessidade de diminuir a circulação de pessoas nas ruas.

Quando não tem um plano estruturado das autoridades governamentais para apoiar numa situação crítica, se torna mais preocupante”

BENJAMIM LUCAS

Sociólogo

Com tudo isso, Benjamim ressalta a importância das políticas públicas de proteção, justamente para assegurar direitos básicos à população, considerando a historicidade de desigualdade social. “Antes mesmo da pandemia, já acompanhava a insegurança alimentar aumentando.

Também já havia um processo de enfraquecimento das políticas públicas, como congelamento de recursos para a Saúde, onde deveria ser ampliada. Casado a isso, as dificuldades de ordem econômica e o enfraquecimento do CRAS, Creas. O próprio auxílio emergencial foi fruto de muito tensionamento e ainda assim foi suspenso”, completa.

AUMENTO DA VIOLÊNCIA  

Entre outros problemas sociais, a violência, no olhar de Benjamim, é um marcador da desigualdade e isso aparece de forma significativa na pandemia. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, feita pelo Fórum Nacional de Segurança Pública, lançado no mês passado, Juazeiro do Norte é uma das sete cidades cearenses com população acima de 100 mil habitantes que aparecem com uma taxa de mortes violentas intencionais, como homicídios e latrocínios, acima da média nacional, em 2020.

A publicação aponta que a terra do Padre Cícero teve 48,8 mortes violentas intencionais a cada 100 mil habitantes, superando o Ceará, que tem uma média de 45,2, e o Brasil, que uma taxa de 23,6. Ao todo, foram 134 ocorrências deste no município, no ano passado.

“As pessoas violentadas, no sentido de homicídios, geralmente são negras, de classe econômica mais baixa, com menor acesso à educação, situação de moradia e comunitária de menor qualidade. São conjuntos de indicadores que, se não são determinantes, colocam as pessoas em situação de vulnerabilidade à violência. Quando se tem esse agravamento (pela pandemia), tem uma falência de nossas políticas de não conseguirmos proteger essas pessoas em suas diversas dimensões”, acredita Benjamim.   

O sociólogo ressalta que há dificuldade no acompanhamento da efetividade da segurança pública, que depende de outros fatores, além do efetivo policial. “A segurança é feita por outras estratégias, como ocupação de espaço, circulação de pessoas, integração com os serviços de assistência social, saúde, educação e cultura. Integrar para reduzir esses conflitos”, sugere o sociólogo.

Escrito por Antonio Rodrigues/Diário do Nordeste

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