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Dona Lia, de 110 anos: “Vivi a gripe espanhola e a covid-19”

Dona Lia, de 110 anos: “Vivi a gripe espanhola e a covid-19”

Dona Lia na festa de 110 anos, em maio passado (Foto: Arquivo pessoal/ Felipe Augusto )

Maria Pereira Neves, a dona Lia, nasceu em 1911 numa fazenda no interior do Ceará. Conheceu o Lampião, com quem aprendeu a dançar xaxado, e teve suas constantes dores de cabeça curadas pelo Padre Cícero. Aos 110 anos, com oito filhos, 33 netos, 61 bisnetos e 26 tataranetos, fala de família, saúde, festas e pandemia

A infância

"Nasci em 14 de maio de 1911, na fazenda São Francisco, que fica próxima à cidade de Jardim, localizada na região do Cariri, no Ceará. Perdi minha mãe aos 4 anos, e fui criada pelo meu pai, minha irmã mais velha -- éramos quatro irmãos, só um menino -- e as moças que trabalhavam na fazenda. Como era ponto de passagem do cangaço, recebíamos constantemente a visita do bando de Maria Bonita e Lampião. Foi lá que, ainda menina, conheci o ‘Rei do Cangaço’, que acabou se tornando amigo de minha família. Em algumas de suas passagens pela fazenda do meu pai, Lampião me ensinou o xaxado, dança que nunca mais esqueci.”

O milagre

“Aos 10 anos, em visita à Juazeiro do Norte, conheci pessoalmente o Padre Cícero. Sempre fui católica e já naquela época tinha muita fé nele. Pois assim que me viu, ele colocou a mão sobre mim e fez uma oração para a dor de cabeça recorrente que eu sentia – que, milagrosamente, desapareceu.”

A grande família

Conheci meu marido, João da Cruz Parente, quando meu pai se casou novamente e fomos morar em uma fazenda chamada Amazonas, no município pernambucano de Salgueiro.  Eu tinha 11 anos. Me casei em 1935, aos 24. No início, não tínhamos onde morar e acabamos vivendo acampados em baixo de uma árvore, enquanto construíamos a nossa casa na fazenda Baixio Verde com o dinheiro que ganhávamos com o engenho e a agricultura. Tivemos 10 filhos. Infelizmente, um dos meninos morreu dias após seu nascimento e, muitos anos depois, minha filha Fátima também faleceu durante uma cirurgia do coração. Os outros oito ainda são vivos e a mais velha, Alaíde, está com 85 anos.

Quando meus filhos foram crescendo, compramos uma casa e fomos morar na cidade de Salgueiro, em Pernambuco, para as crianças estudarem. O ano era 1960. Lá, meu marido logo comprou uma padaria que, alguns anos depois, meu filho Antônio transformou em uma joalheria.

Em 1984, perdi meu marido para a diabetes. Nunca me casei novamente e até hoje sinto falta do meu benzinho. Meu grande e único amor de toda a vida.

Ainda moro na cidade pernambucana de Salgueiro com minha filha Socorro. Tenho 33 netos, 61 bisnetos e 26 tataranetos. Quando a minha família toda se reúne são mais de 160 pessoas.”

A família reunida na festa de 108 anos (Foto: Arquivo pessoal)

Gripe espanhola x covid-19

"Eu era pequena na época da gripe espanhola e não tinha noção do que estava acontecendo. Também porque vivia em uma fazenda, isolada de tudo. Diferentemente de agora. Está sendo muito difícil ficar longe da minha família. Sinto muita saudades e rezo sempre para todos. Mas é melhor ficarem em casa mesmo, quero todos com saúde."

A perda da mobilidade

“Em 2018, estava com 107 anos, mais precisamente entre o dia de São João e o de São Pedro, tropecei, sofri uma queda e fraturei o fêmur. Estava passando as festas juninas na fazenda da minha filha Alaíde, e a família estava toda reunida no alpendre (varanda) quando tropecei e caí, entrando em casa. Os médicos queriam me operar de imediato, mas já adiantaram que eu não sobreviveria a uma cirurgia como essa com 107 anos. Meus filhos então se reuniram e decidiram que eu não me operaria. Logo eu, que gosto tanto de viajar, tive que sossegar em casa porque não andava mais.

Os médicos disseram para minha família que eu nunca mais sairia da cama, não voltaria a andar e que, por causa das fortes dores que teria a partir dali, teria que tomar remédios para o resto da vida. Me receitaram diversos, mas nunca tomei nenhum.

Contrariando todos os diagnósticos, só senti dores nos primeiros dias após a queda, me recuperei muito bem. Hoje, ando em uma cadeira de rodas, mas já fiz algumas viagens. Fui visitar meus netos e bisnetos em Araripina e Lagoa Grande, ambas cidades em Pernambuco, e em Curaçá, na Bahia. Também já comemorei três aniversários na cadeira de rodas. Gosto tanto de dançar que, no último, até arrisquei uma dança com meu sobrinho me guiando na cadeira. Me diverti!”

A saúde

Aos 110 anos ainda gosto de comemorar meus aniversários e celebrar a vida. Participo até hoje de todas as festividades da igreja. Apesar de algumas complicações como ter que comer comida pastosa, pois tenho me engasgado com comida normal, de depender da minha filha mais nova e ter uma cuidadora para tomar banho e me ajudar a trocar de roupa, ainda assim, vivo bem e cheia de alegria. Amo cantar, contar histórias antigas sobre a minha infância e recitar poesias. Sou lúcida, estou apenas com a audição e a visão um pouquinho comprometida devido aos tantos anos de vida.

A festa de 110 anos

Completei 110 anos no dia 14 de maio. Minha família, que é festeira como eu, já começou a planejar a minha festa em janeiro – somos muitos e precisávamos de um lugar aberto. Por conta da pandemia, para não deixar a data passar em branco, decoramos um ambiente, encomendamos um bolo e fizemos umas fotos bem bonitas. Para não causar aglomeração, só estiveram presentes Maria do Socorro, minha filha caçula, meu sobrinho Suetone, que nos ajudou com a decoração, o padre, que não pode faltar e fez as orações, Beatriz, minha cuidadora e fiel escudeira, e o fotógrafo.

Quando me perguntam qual o meu segredo da longevidade, respondo ser feliz e fazer feliz os que estão ao meu redor.”

KIZZY BORTOLO/REVISTA MARIE CLAIRE


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