Pauta do desenvolvimento regional se fragiliza no Congresso
Legenda: Obras da Transposição entre Penaforte e Jati, em abril: não há mais na Câmara atuação de comissão voltada ao projeto - Foto: Antônio Rodrigues |
A Câmara dos Deputados não tem mais comissões externas para tratar, por
exemplo, da Transposição do Rio São Francisco e da Transnordestina.
Deputados e ex-deputados admitem desmobilização das agendas regionais
No dia 7 de dezembro de 2018, a pouco mais de um mês do fim da 55ª
legislatura da Câmara dos Deputados, a Comissão Externa do Projeto de
Integração do Rio São Francisco realizou um seminário para discutir o
andamento das obras. Cinco dias depois, em 12 de dezembro do mesmo ano, a
Comissão Externa que acompanhava a construção da Ferrovia Nova
Transnordestina aprovou o parecer do relatório do deputado Augusto Coutinho
(SD-PE) para a concretização da iniciativa na região.
Um ano e meio depois, constata-se que essas agendas haviam encerrado, ali,
os debates em comissões específicas de temas tão caros para o Nordeste. Na
atual legislatura, a 56ª, apenas um grupo foi formado para tratar de assunto
importante para a região: a Comissão Externa de Derramamento de óleo no
Nordeste, diante do desastre ambiental de 2019. Desde então, pautas
amplamente debatidas em mandatos anteriores, como a Transposição e a
Transnordestina, ficaram espremidas em salas com reuniões executivas ou
quando, individualmente, algum parlamentar da região conseguiu emendar
recursos para obras hídricas.
Coordenador das Comissões Externas da Transposição das Águas do Rio São
Francisco e da construção da Ferrovia Nova Transnordestina, na legislatura
passada, o ex-deputado federal Raimundo Gomes de Matos (PSDB) lamenta não
haver uma mobilização geral para assuntos regionais no âmbito do parlamento
desde o ano passado. O tucano, que não foi reeleito, lembra também das
movimentações em torno da comissão que discutia a criação da Zona Franca do
Nordeste.
Engajamento
"Precisa haver um engajamento maior do parlamento porque a gente não pode
perder essa oportunidade de, num momento de crise, surgir com ideias
inovadoras para poder revitalizar a economia e o desenvolvimento. (Ao)
Fortalecer o São Francisco e o Parnaíba, com certeza os indicadores
econômicos melhoram", defende o ex-deputado.
Em meio ao terceiro nome indicado para a diretoria-geral do Departamento
Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), no atual Governo, e a mudança
intempestiva recente no comando do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), o
deputado federal Vaidon Oliveira (Pros) admite um certo distanciamento do
Congresso Nacional em relação a demandas urgentes da região ao condicionar o
problema às relações com o Governo Federal.
"Governo novo a gente tem dificuldade de retomar as pautas, porque cada
governo tem uma bandeira, e a gente sabe que a bandeira do presidente não
deslanchou ainda. A Transnordestina até que andou um pouco, mas a
Transposição é sempre adiando o término. Tem uma frente parlamentar que é do
Nordeste e que bate muito nisso, vai atrás, mas tenho sentido essa
dificuldade", declara.
O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, afirmou em entrevista em maio que, com o reservatório de Jati, na Região do Cariri, pronto para receber as águas do Projeto de Integração do Rio São Francisco, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deve vir ao Ceará em junho, quando os recursos hídricos do Velho Chico podem chegar ao Estado.
De acordo com o Ministério, os últimos serviços para garantir a
funcionalidade do empreendimento até o reservatório de Jati seriam
concluídos até o fim de maio, mas ainda não há confirmação sobre visita do
presidente ao Ceará, que seria a primeira desde o início do Governo.
Desmonte
Ex-coordenador da bancada cearense no Congresso, o deputado federal José
Airton (PT) denuncia o que considera um processo de "desmonte" nas empresas
públicas que têm missões específicas para o desenvolvimento da região, como
o Dnocs.
Ele diz que esses "órgãos estão hibernando porque não têm uma ação
governamental que possa revitalizar essas instituições para que elas cumpram
a sua missão". "Atribuo isso à fragilidade da nossa bancada nordestina que,
a meu ver, atua muito desarticulada e acaba essa pauta do desenvolvimento
regional ser pouco priorizada no Congresso Nacional", considera.
Questionado em relação ao papel individual dos parlamentares, o petista
cobra maior união entre os deputados e senadores eleitos pela região. "Cada
um pode fazer a sua parte. Agora, é evidente que uma andorinha só não faz
verão. É preciso ter força política. A prioridade das ações tem que se
materializar nas políticas públicas, no orçamento concreto que deve constar
em cada ação dessa. Para se concretizar, tem que estar articulado com as
bancadas, com os partidos, para conseguir aprovar e implementar essas
ações", pontua.
O parlamentar diz que chegou a se reunir recentemente com o ministro do
Desenvolvimento Regional, ao lado de outros deputados cearenses, cobrando
investimentos, mas pondera que ações isoladas podem muito pouco.
Desenvolvimento
Com o distanciamento do Parlamento em relação aos temas regionais, o
Governo Federal acaba não priorizando o atendimento às reivindicações
históricas. O professor de Economia Ecológica da Universidade Federal do
Ceará (UFC), Fabio Sobral, avalia que as atuações do BNB e do Dnocs têm sido
diferenciadas quanto às políticas desenvolvimentistas.
"Há de se ressaltar a qualidade dos quadros dessas duas instituições e de
políticas anteriores já implementadas e que firmemente se mantêm, mas esse
quadro de incerteza geral e de paralisia do Governo Federal na ação com
relação a políticas regionais, econômicas, sociais e ambientais - e que têm
sido, inclusive, bastante agressivas - acaba por impor limites a esses dois
órgãos", analisa. "Além disso, paralisa o conjunto de projetos globais que
tinham sido pensados para a região".
Sobral explica que políticas de desenvolvimento não são identificadas
apenas com a ideia de industrialização, e que "envolvem maior leque de
variáveis".
"Quando você desmonta mecanismos de distribuição de renda, você impede uma
melhor forma de vida das pessoas, um desenvolvimento humano mais profundo",
afirma. Em meio às indicações para a chefia dos órgãos públicos, o
pesquisador tenta não demonizar o processo de escolhas, mas a forma como
eles são feitos.
"Eu não creio na ideia de que existam somente indicações técnicas. Toda ação de um órgão como esse precisa ser política. O problema é que as pessoas entendem a política como algo muito negativo, de distribuição de cargos ou beneficiamento a certos grupos. Política, de forma mais ampla, significa você escolher um caminho para uma região. E é preciso que hajam indicações políticas de um caminho que permita aos nordestinos e nordestinas viverem melhor", ressalta Fabio Sobral.
Mudanças
Diretora-presidente da Associação dos Funcionários do Banco do Nordeste do
Brasil (AFBNB), Rita Josina ressalta a preocupação da entidade com as
mudanças repentinas na instituição para atender a grupos políticos. Mudanças
essas que, para ela, podem prejudicar o andamento do trabalho fundamental
feito pelos técnicos nos estados nordestinos. "Os profissionais do Banco são
qualificados, treinados, e conhecem a região, mas para a nossa tristeza, e
por ele ser um órgão público, sempre houve relatos de grupos políticos que
se organizam nessa disputa de poder".
Segundo a presidente, "o BNB estava bem, com bons resultados", o que não
justificaria uma mudança como a que ocorreu. "Assim que tomamos conhecimento
que o BNB estava no meio dessa disputa para atender conveniência de
partidos, de grupos, nos posicionamos contra isso. A gente entende esse toma
lá, dá cá como um desrespeito à instituição, à sociedade e ao grupo de
trabalhadores".
Escrito por Wagner Mendes/Diário do Nordeste